Fotos: Aquivo Pessoal
A novo-hamburguense Maria Cristina Cavasotto Botão, conhecida como Cris Cavasotto, 52 anos, é bacharel em Educação Física, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), desde 1992, e especialista em Gestão de Negócios e em Nutrição Esportiva. Filha da advogada e professora Hilda Cavasotto e do engenheiro português Manuel Chasqueira Botão, falecidos, Cris ficou conhecida pela aventura que escolheu viver durante dois anos: morar na Mata Atlântica gaúcha, Maquiné. Ela passou por esta inesquecível experiência sozinha, adotando uma rotina diferente. Na profissão, Cristina é voltada à saúde e ao bem-estar. Hoje, ela presta consultoria a respeito de Qualidade de Vida e Ginástica Laboral a empresas e, ainda, é personal trainer. Cris ama o mar, a natureza, os animais e os esportes. Nesta entrevista, ela compartilha um pouco dessa trajetória e fala de um estilo de vida atento à sobrevivência do planeta e ao equilíbrio das espécies.
Diário - Um dos seus principais aprendizados se deram em família...
Maria Cristina Cavasotto Botão - Sim. Sou o produto de dois seres profundos, inquietos, buscadores e trabalhadores, ou seja, meus pais. A separação deles se deu aos meus 7 anos. Tal situação foi meu primeiro aprendizado a respeito da natureza humana. Na infância, o meu convívio com os avós paternos e maternos era frequente. O interessante é que as duas famílias tinham costumes completamente distintos. Minhas avós eram o esteio moral das famílias e exerciam poder pela sabedoria e amor, tanto em atos, quanto em palavras. Até hoje, mantenho os ensinamentos adquiridos naquela época em tudo o que faço. Entre tantas lições, aprendi que o verdadeiro poder reside em não dominar os demais. A imposição da vontade de um ser sobre o desejo do outro é um ato de violência e fraqueza de caráter. Todos os laços baseados no amor e focados na verdade são inquebráveis.
Em 1969, com o primo Pedro (a partir da esq.), a avó Luz, Cristina, no colo, o primo Paulo e o irmão José Augusto, em Novo Hamburgo
Diário - A senhora largou o emprego na Associação Cristã de Moços (ACM), em Porto Alegre, para morar por dois anos em Maquiné. O que a impulsionou a isso?
Cristina - Em 1996, fiz uma caminhada de Caraíva a Trancoso (BA), pela beira da praia, e precisei pernoitar na casa de um pescador devido à impossibilidade de travessia em um rio durante a maré alta. Não havia nada à volta. Então, a mulher de um pescador sugeriu que eu ficasse naquele lugar. Diante daquele cenário, eu olhei ao redor e só pensei que não podia perder o voo do dia seguinte. Ela apontou para quatro bambus espetados na areia, rodeados e cobertos com folhas de palmeira, próximos a um manguezal. De repente, ela varreu e pôs um lençol na areia. Agradeci, imaginando caranguejo, cobra e lagarto. Sob um manto de céu estrelado, à beira de uma fogueira, comi peixe assado recheado com jaca e bebi chá de cidró, enquanto conversávamos. O respeito, a bondade, a delicadeza, a ajuda desinteressada e as respostas vindas de pessoas que sequer eram alfabetizadas, me marcaram profundamente. Depois disso, em cada viagem que fiz, colocava em xeque meus conceitos de vida. No ano seguinte, fui à Venezuela. Em 1998, estive em Machu Picchu e Bolívia. Na sequencia, em 2000, meu destino foi Portugal e Espanha.
Com a irmã, Maria da Luz, e a mãe, Hilda, em 1986
Diário - E como aconteceu a decisão de mudar de vida?
Cristina - A mudança foi resultado de mais de uma história. Em 2002, fui à Chapada Diamantina participar de um simpósio e conhecer Ecovilas. Por obra do acaso, acabei pernoitando por três dias na casa de Ernst e Renate Götsch, sistematizadores da Agrofloresta/Agricultura Sintrópica, sem saber quem eram. Na fazenda de 500 hectares, a energia elétrica não chegava. O banho era na mata, embaixo de uma roda d'água. A cada questionamento meu, vinha uma história diferente como resposta. Em uma noite de lua cheia, Ernst propôs caminharmos na mata. Como ele estava descalço, perguntei se não tinha receio de pisar em uma cobra. Ernst contou que, certa vez, se deparou com uma. Naquela situação, ambos ficaram paralisados. Segundo ele, a cobra é um ser tão belo que seria uma honra perder a vida para ela. Aquela resposta me encorajou. O medo nos paralisa, nos impede de viver. Foi assim que tomei coragem de morar em área rural.
No Rio Iratapuru, no Amapá, durante a Expedição Natura Ekos, em 2012
Diário - Quando se mudou para Santa Maria?
Cristina - Em 2006, me apaixonei, loquei meu apartamento em Porto Alegre e me estabeleci em Santa Maria. Junto à amiga Marcia Hoeltz, na praia de Garopaba (SC), em 2018
Diário - O que tem a dizer para quem gostaria de traçar novos caminhos, como fez?
Cristina - Sonhe, busque informações, estude, prepare-se e viva. Deixei todos os medos em Maquiné. Realizei coisas que jamais pensei que fosse capaz. Construí um reservatório em ferro e cimento e uma casa para animais, e retirei um enxame de abelhas do telhado. Todo paraíso tem preço. Pretendo voltar a viver em meio à natureza, talvez com amigos ou em grupo já estabelecido. O sentido da vida é aprendizado, movimento e fluxo.